Leandro Barbosa
Licenciado em Ciências Sociais (DCS/CFCH/UFPE)
Mestre em Educação (PPGE/CE/UFPE)
Assistente em Administração - Biblioteca Setorial do CFCH/UFPE
Algo comum no debate sobre a democracia na universidade é
a questão da representação nos espaços institucionais. Aqui figura a (ausência
de) participação e representação de estudantes, técnicos(as) e docentes nos
conselhos, direções, organismos político-administrativos universitários. Neste âmbito o Conselho Universitário
aparece, ao menos em teoria, como a principal instância de decisão e
deliberação. Para além dele temos os conselhos departamentais, colegiados etc.
Neste aspecto
convém a pergunta:
Nós
temos abertura para participação nas decisões e deliberações sobre projetos e
questões que afetam toda a universidade, além de, especificamente: nos nossos
cursos, setores de trabalho, departamentos, centros e órgãos suplementares?
O quadro que temos é de concentração do poder de
formulação e decisão nas mãos de cúpulas
administrativas formadas geralmente por docentes, que em grande parte estão nos
cargos por indicações e/ou tem amistosas relações políticas com a administração
central. Há relações personalistas que envolvem maior atenção para demandas administrativas e produtivas. O "QI" (Quem Indica), por
exemplo, ainda é bastante comum na UFPE.
No plano da remoção
de técnico-administrativos(as) inexiste, por exemplo, uma política baseada
em critérios claros e objetivos para a resdistribuição de trabalhadores nos
setores.
Perante este quadro, é preciso tornar as questões
objetivas e de direito menos clientelistas, mais objetivas e impessoais. É
preciso fomentar a participação de todas e todos na escolha das representações,
mediante eleições diretas e paritárias
[nos casos em que a vaga eleita tiver relação com mais de um segmento] para todos os cargos de direção e de chefias na instituição.
O Conselho
Universitário é o principal exemplo da assimetria entre diretores docentes
e demais participantes da comunidade acadêmica. Nele existem dezenas de
cadeiras ocupadas por docentes que exercem/exerceram cargos administrativos, 2
cadeiras ocupadas por estudantes e 5 cadeiras por técnicos(as). Cadeiras são
ocupadas por pró-reitores(as), que são indicados(as) pelo reitor.
É preciso que se aumente a
participação de técnicos(as) e estudantes neste conselho e em outras instâncias
político-administrativas (como os órgãos colegiados), tendo a paridade como horizonte.
É preciso também que sejam desenvolvidas avaliações
coletivas da gestão do trabalho nos departamentos, projetos, setores; e que sejam
realizadas eleições para cargos de
chefia nos locais de trabalho, por mandatos periódicos.
Para além disso é preciso fomentar a abertura para a
participação ativa de todas e todos, nas discussões e deliberações sobre as questões importantes na
universidade. Este, inclusive, é o ponto fundamental para a democractização. É
necessário que as decisões representem de fato aquilo que for resultado de
diálogos e debates entre todas e todos que se dispuserem a participar da
política universitária.
O que vemos acontecer na UFPE está muito longe de uma
democracia participativa. Não há espaço algum de discussão e deliberação aberta
a estudantes, técnicos(as) e inclusive docentes que não estejam inseridos nas
cúpulas político-administrativas.
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Trabalhadores e estudantes tem ordem de impedimento dada pelo reitor, para não entrarem em reunião do Conselho Universitário, que decidia sobre diagnóstico no HC realizado pela EBSERH.
Fonte: Arquivo do blog do Sintufepe, em 23/04/2013. |
São vários os exemplos sobre questões importantes na
universidade que são decididas à margem da participação política e dos
interesses da maioria. Seja o exemplo da imposição da EBSERH privatizando o HC,
seja a adesão da Universidade ao SISU como plataforma de ingresso de estudantes
na graduação, seja a regulamentação das 30 horas para técnicos(as). A resolução
sobre esta última foi realizada unilateralmente pela reitoria, passando por
cima e desconsiderando várias questões do que foi acordado em várias reuniões
entre movimento de técnicos(as) e administração central.
Não há espaços abertos para discutir e deliberar sobre
alternativas para o problema das grandes filas no RU, a (in)segurança no
campus, assistência estudantil etc. Além disto, é preciso discutir e deliberar
sobre questões do cotidiano, como casos de assédio moral e sexual, práticas
docentes que desconsideram direitos dos estudantes quanto a
aprovação/reprovação nas disciplinas etc.
Neste aspecto existe outro plano sob o qual quero chamar
a atenção. É a democracia participativa (discussão e deliberação) no
que diz respeito ao trabalho no cotidiano, nas relações de
ensino-arendizagem, pesquisa, nas atividades técnico-administrativas.
As pessoas discutem
coletivamente nos setores de trabalho, tem voz e vez nas decisões
políticas e administrativas que afetam sua dinâmica produtiva? Há
participação de estudantes na concepção e na gestão do seu currículo, do seu centro?
Ou o poder decisório para estas questões é muito hierarquizado e as decisões
concentradas nos cargos de chefia e político-administrativos?
Estudantes que se sintam injustiçados numa avaliação de disciplina ou
em um caso de assédio tem como e a quem recorrer? Casos de abuso de poder e
intimidação podem ser denunciados e serão discutidos em alguma instância? As
resoluções de problemas tem uma discussão/decisão socializada entre os
envolvidos no trabalho? Há espaços de poder que permitam a qualquer um discutir
e deliberar abertamente sobre as pautas dos diversos segmentos em específico e
as que interessam a todas e todos?
A atual gestão tentou maquiar o entendimento de
democracia, apreendendo esta palavra apenas no seu sentido
"consultivo", no qual até são ouvidas as sugestões, mas depois disto,
decide-se unilateralmente. Ou seja, para a atual gestão da UFPE, formar um GT
sobre EBSERH foi um espaço democrático, assim como foi um GT sobre a jornada de
trabalho de técnicos(as). A metodologia: as pessoas se reuniram, conversou-se,
mas os resultados são ditados pela reitoria, não há abertura para propostas que
não interessem à administração.
Democracia de fato é aquela em que há poder de discussão,
mas também abertura para deliberação,
numa metodologia igualitária entre os/as que estão dialogando.
No caso da EBSERH, as vozes e opiniões dos segmentos sindicais (ADUFEPE e
SINTUFEPE) e de estudantes foram desprezadas. Isto ocorreu para dar vazão à
linha do estrangulamento do Hospital que colocou a EBSERH como única saída,
provocada pelo sucateamento intencional dado pelo governo federal, que contou
com direcionamentos de reitores alinhavados com o mesmo. Na UFPE foi assim. Não
houve consideração da maioria quanto à decisão sobre a EBSERH no HC.
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Trabalhadores e estudantes, após protesto e forçarem entrada, conseguem acompanhar reunião no Conselho Universitário que decidia sobre diagnóstico do HC pela EBSERH.
Fonte: Blog do Sintufepe, 23/04/2013. |
Em outro exemplo, na
regulamentação das 30 horas para técnicos/as houve reuniões entre
administração e trabalhadores, mas saiu uma resolução que desconsiderou muitas
posições dos(as) técnicos(as). Resolução esta orientada principalmente nos
interesses dos docentes mais conservadores que ocupam cargos de direções e
chefias, desconsiderando o que foi acordado na comissão sobre 30 horas formada
pela administração e técnicos(as).
No fim de todo o processo considerado acima, ficou definido que poderá haver jornada
regulamentada de 30 horas na UFPE, mas não se sabe onde, como e quando, não se
sabe ainda se será para um ou para cem
por cento do corpo técnico administrativo educacional. A vontade política que a
atual administração da UFPE vem mostrando é de restringir ao máximo este
direito entre a categoria técnico-administrativa. O poder de decisão sobre as
jornadas nos setores, como não poderia ser diferente, poderá ser bastante
limitado pelo que (não) querem diretores e chefes, à margem dos principais
interessados: os(as) técnico-administrativos(as) nos setores. Estes deveriam
poder se organizar para atender às jornadas ininterruptas.
Pois bem, estamos num contexto de campanha eleitoral para
reitor(a). Neste aspecto, a reflexão a ser colocada é: devemos depositar as
esperanças num(a) reitor(a) e vice que se posicionem com vontade política de
democratizar?
De fato, o caminho para uma maior democratização da
universidade pode ser facilitado por uma administração central que tenha
vontade e atuação política na abertura das estruturas de poder da universidade
para as pessoas nas bases.
Ademais, é preciso também que, para além da abertura a
ser promovida pelos novos gestores da UFPE, as próprias bases se organizem para
discutir as questões da Universidade. Temos ainda um conservadorismo muito
forte nesta, o qual se nega a democratizar e isto pode se voltar contra um(a)
reitor(a) que promova esta abertura para as bases.
Logo, a eleição de
Daniel e Bianca na reitoria pode se caracterizar como passo importante. Mas
por mais vontade e abertura política e bastante trabalho que tenham estes dois
com o que lhes for de alcance para estimular a democracia, esta só avança
progressivamente se a atuação deles for somada à ação de docentes, técnicos(as)
e estudantes em geral, nos espaços setoriais, aenfrentar também os obstáculos
provocados pelo conservadorismo presente nos diversos locais da Universidade.
Para democratizar a UFPE é preciso uma administração que
estimule a abertura política que seja somada à participação e construção
coletiva das bases, tendo como perspectiva, no âmbito da representatividade, a paridade.